Ela voltou. Depois de doze anos voltou. Ele a esperava. Como meu avô lá no sertão espera o dezenove de março pra agradecer a São José as chuvas que o abençoam lá pelo interior. Por doze anos a chuva do reencontro não molhou sua face. E a cada estação os olhos banhavam su'alma. Da vida daquele ser que há tanto o deixara ele mais nada sabia. Só as projeções de sua memória: ainda usava o mesmo perfume de flor de laranjeira, cabelos soltos encaracolados escuros, olhos acastanhados puxando pro preto. A voz havia mudado, certeza. Uma sutil rouquidão chegara. Era o sinal certo de que havia amadurecido, ao abandonar os tons agudos de outrora. Sinal também que não havia largado o cigarro como prometera. Foi a última promessa. A única coisa que ele pediu ao despedir-se: Pare de fumar. Sim, por você. Prometo. Ela respondeu. Nada de adeus, tchau, good-bye. E agora toda o quarto, a casa, toda a vida dele é repleta de pequenos sinais dela. O carro que ela sonhava ter. Um opala 78, quatro portas, preto. Ele comprara há dez anos. Impecável na garagem. Uma casa com um compartimento de cada cor e um jardim no quintal. Um balançador na goaibeira e uma rede na varanda. Não. Não havia foto alguma dela. Nenhumazinha. Não precisava. Estava o tempo todo estampada em todo canto. Ele preparara cada detalhe. Todas viagens foram feitas aos lugares que ela queria ter ido. Tirou as fotografias que ela certamente tiraria. E agora ela voltava.
[continua...]
Torpor
Ednardo
O copo deixado sobre a mesa
Ainda guarda o sabor
Da bebida amarga que você deixou
Figuras esquecidas e antigas
Perambulam pelo o quarto
Entre saudades e mistérios de amor
E essa faca sobre a mesa corta
Como te cortam os meus versos
Eu sei, eu sei, eu sei
Um sol estampado na camisa
Não aquece um peito aflito
Gelado e entristecido de torpor
Um fragmento de Neta. Evenice Netíssima.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário