Páginas

terça-feira, 1 de maio de 2012

Dias improváveis, encontros possíveis.

Era improvável que aquele dia terminasse bem.
Atrasou-se para a entrevista de estágio.
Quebrou o salto ao correr para alcançar o ônibus [Não poderia chegar atrasada na aula.]
Derramou suco de uva na blusa branca.
Esqueceu que era dia de prova.
Respirou fundo antes de voltar para casa.
Que surpresas aquele dia moribundo ainda iria revelar, afinal.
Foi com esse pensamento e com um suspiro que ela perdeu outro ônibus.
"Era improvável que esse dia terminasse bem", falou baixinho, 
acreditando mesmo em cada palavra que havia dito.
Chegou cabisbaixa na parada do ônibus.
Fixou o olhar para algum ponto distante dali.
Nem reparou no rapaz com a camisa do surfista prateado sentado ao lado.
Ele ria discretamente, provavelmente devido à mancha de suco na camisa branquinha.
Ou talvez fosse o salto quebrado e remendado com fita gomada.
Ela continuava olhando para não-sei-onde, um cantinho dentro de si, deveras. 
Na distração, deixou cair a agenda dentro da lama.
"As coisas sempre podem piorar", esbravejou.
O rapaz antecipou-se.
Apanhou a agenda e olhou o nome anotado na página molhada.
Sorriu e sacodiu o braço para espantar a lama da agenda.
"As coisas sempre podem melhorar, Laura."
Nascia ali um improvável encontro. 
Daqueles que somente dias improváveis são capazes de fazer surgir.
Não fossem os atrasos, o suco na blusa ou o salto quebrado, o carinha com a blusa do surfista prateado não teria encontrado Laura. 
E Laura não teria encontrado o carinha.
E a música "Pequenina", cantada tantas vezes pelo carinha na varando do apartamento de Laura, não faria o menor sentido para ela.

Laura lembrou disso tudo quando ouviu essa música na sexta passada, mesmo depois de tantos anos...
Dias improváveis são, desde então, sempre bem-vindos na sua vida.



Pequenina

[Renato Teixeira]

São tão claros os presságios 
e os encontros dessa vida 
Quando as partes combinadas 
surgem numa mesma estrada 
E na dimensão dos sonhos 
sobre a sombra das palavras 
É que eu mando um abraço pra ti 
pequenina 
Flor vermelha tão cheirosa, 
tão bonita e amorosa 
Onde a essência dessa estória 
paira plena na memória 
Não pergunte pelo tempo, 
pois o tempo é agora 
O futuro na luz da manhã 
não demora.

"Pequenina" - Renato Teixeira

Um fragmento de Neta. Evenice Netíssima.

Nenhum comentário: