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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Hoje, o que ela mais queria, era uma canção de ninar

Trabalhar dia de domingo é osso.
Laura sabia disso quando decidiu fazer enfermagem.
Sabia porque o pai era frentista de posto de gasolina e passava três, dos quatro domingos do mês, trabalhando.
Fazia uma falta danada ter o pai no domingão.
E ela, numa dessas ironias da vida, foi pro mesmo rumo.
Domingo não foi feito para trabalho, repetia mentalmente na parada de ônibus deserta.
[anos mais tarde ela diria: a vida não foi feita para trabalho].
Àquelas alturas da madrugada, o mp3 tocando Narah Jones era seu maior alento.
A noite mal dormida estava estampada nas olheiras e no brilho dos olhos.
[já viram como brilha pouco os olhos de quem dormiu mal? Acho que é porque os coitados dos olhinhos não têm o descanso merecido. Ou tudo é uma questão de química/biologia e lubrificação do globo ocular durante o sono, nem sei. Mas o brilho se ausenta nesses olhos, certeza!]
O balanço do ônibus deixava o corpo mais moído.
A cidade dormia. Era domingo, afinal.
Durante o dia: muito café, muita água, muita aspirina [para ela própria].
Correria, seringas, dúvidas, dores... e sorrisos!
Sim, era a melhor parte do trabalho: ver o sorriso do enfermo no momento da dor aliviada.
Ver o alívio de uma mãe ao entender o que se passava com o filho doente.
Nessas horas vinha com força a lembrança e a justificativa das escolhas até ali.
Voltando para casa, a cidade já se preparava para adormecer.
Pés inchados.
Lugar para ir sentada no ônibus [única vantagem de trabalhar no domingo].
Mais Narah Jones. Beleza.
Na volta deu para ouvir também Joss Stone e Nara Leão.
Até as duas músicas dos saltimbancos que há tempos não ouvia surgiu de surpresa entre os sei lá quantos megas do mp3.
O corpo cansado pedia rede.
Num banho demorado com cheiro de eucalipto lembrou-se das noites de domingo que ia dormir sem o pai ter retornado para casa .
No embalo da rede lembrou-se da voz rouca e cansada do "velho, querido velho", que ia ao seu quarto cantarolar um refrão quando chegava da labuta.
Hoje, o que ela mais queria, era uma canção de ninar.

É tão tarde

A manhã já vem
Todos dormem
A noite também
Só eu velo por você, meu bem
Dorme, anjo
O boi pega neném

Lá no céu deixam de cantar
Os anjinhos foram se deitar
Mamãezinha precisa descansar
Dorme, anjo
Papai vai te ninar
Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega esta menina
Que tem medo de careta

Acalanto - Dorival Caymi (aqui, na voz de Nana Caymi)


Um fragmento de Neta. Evenice Netíssima.

Um comentário:

Luah Amaral disse...

Acho que tô assim, bem desse jeitinho!!